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O papel dos gastroenterologistas no combate multidisciplinar da obesidade

Atualizado: 15 de mai. de 2020

Em diálogo com o Perspetivas, o diretor clínico da Gastroclinic - Dr. Miguel Afonso - reflete sobre a importância dos gastroenterologistas no combate multidisciplinar à obesidade. Neste contexto, apresentam-se as mais-valias dos diferentes tratamentos endoscópicos, que se caracterizam pela sua abordagem menos invasiva.


Qual o papel da Gastroenterologia no Tratamento de Obesidade?

Tradicionalmente, os gastroenterologistas não se concentravam no tratamento da obesidade. No entanto, com a prevalência da obesidade em ascensão, com novas técnicas menos invasivas (por endoscopia) em evolução e um reconhecimento mais amplo da obesidade como uma doença fisiopatológica que requer terapia primária, o gastroenterologista está a emergir como um ator-chave no tratamento multidisciplinar de pacientes com distúrbios de obesidade e excesso de peso.


Os gastroenterologistas já tratam muitas doenças relacionadas à obesidade, incluindo refluxo gastroesofágico, doença da vesícula biliar e fígado gordo.


A obesidade tem sido associada como um fator de risco significativo para as cinco principais doenças malignas do trato gastrointestinal. Com o crescente reconhecimento do papel integral que o trato gastrointestinal desempenha na fisiopatologia da obesidade, a obesidade pode ser vista com maior clareza pelos gastroenterologistas como uma doença digestiva.


Temos conhecimento de que a disfunção no trato gastrointestinal predispõe os indivíduos à obesidade e as suas consequências, como síndrome metabólica e diabetes e de que a cirurgia bariátrica, ao alterar o trato gastrointestinal, pode ajudar a melhorar o problemas da obesidade e diabetes.


Qual o lugar dos tratamentos endoscópicos no tratamento da obesidade e em que medida são complementares às cirurgias bariátricas como o bypass gástrico?

Embora as cirurgias bariátricas e metabólicas, como a gastrectomia vertical e o bypass gástrico em Y de Roux, continuem a ser as estratégias a longo prazo mais bem sucedidas para a perda de peso, apenas uma pequena percentagem é elegível ou estão dispostos a submeter-se a uma cirurgia invasiva, devido aos riscos e custos associados. Por outro lado, alterações no estilo de vida e terapias farmacológicas isoladamente são insuficientes para muitos pacientes que não se qualificam para a cirurgia e, por tal, existe uma lacuna significativa na gestão da obesidade.


Os métodos endoscópicos menos invasivos surgiram como opções de tratamento eficazes, reversíveis, relativamente seguras e mais em conta, representando uma “janela terapêutica” para pacientes que se enquadram nesta lacuna de tratamento de pacientes com obesidade grau I e II.


A lacuna de tratamento resultante inclui dois subconjuntos principais de pacientes: a maioria dos pacientes com obesidade leve a moderada (obesidade grau I e II) que não se qualificam para cirurgia bariátrica e para quem o estilo de vida e as intervenções médicas são inadequadas e os pacientes qualificados com IMC maior de 40 (ou acima de 35 com comorbidades médicas), mas que não estão dispostas a fazer cirurgia.


Apenas 2% dos pacientes que se qualificam para a cirurgia optam por essa opção. Como tal, oferecemos tratamentos mais eficazes para a obesidade do que a intervenção isolada no estilo de vida, mas com menor custo e risco do que a cirurgia bariátrica, e é por isso que estes métodos endoscópicos são adequados para preencher a lacuna existente.


No entanto, os tratamentos de obesidade endoscópicos podem também ser utilizados como ponte para a cirurgia bariátrica em pacientes com o IMC demasiado elevado.


O gastroenterologista está a emergir como um ator-chave no tratamento multidisciplinar de pacientes com distúrbios de obesidade e excesso de peso.

Quais os procedimentos endoscópicos atualmente disponíveis?

Nos últimos anos têm surgido diversos dispositivos e procedimentos endoscópicos para o tratamento da obesidade. Aqueles que têm demonstrado os melhores resultados e maior segurança nos estudos clínicos foram o balão intragástrico ajustável e o sleeve endoscópico.


Fale-nos um pouco destes métodos de perda de peso.

O balão intragástrico é um dispositivo de silicone que é introduzido no estômago através de uma endoscopia com sedação. Este procedimento demora em média 15 a 20 minutos, sendo um procedimento minimamente invasivo. O tempo de recobro são duas a três horas e o paciente tem alta no próprio dia. A recuperação é feita com dois a três dias de repouso em casa. Ao preencher uma porção do estômago, o balão intragástrico diminui o apetite e a ingestão de alimentos e causa saciedade precoce, permitindo assim perder peso. O balão é um excelente auxiliar na modificação dos hábitos alimentares, pois permite a adoção de novos hábitos sem a dificuldade inicial associada à fome e falta de saciedade. Mais recentemente a tecnologia do balão intragástrico foi aprimorada com o aparecimento do balão intragástrico ajustável. Este tipo de balão pode ser reajustado ao longo do tratamento, permitindo melhores resultados.


O sleeve endoscópico é um procedimento de redução do estômago realizado por endoscopia, em que o estômago é suturado por dentro reduzindo cerca de 70% do tamanho da cavidade do estômago. Existem dois métodos de redução do estômago por endoscopia: o método Apollo e o método POSE 2. Esta redução do volume do estômago permite uma redução na quantidade de alimentos ingeridos e consequente saciedade precoce, permitindo assim uma perda de peso. Com o sleeve endoscópico, ocorre em média uma perda de 60% do excesso de peso. A quantidade de peso perdido irá depender do peso inicial, sendo expectável uma perda de 20% do peso corporal.


No entanto, é muito importante salientar que sem uma mudança dos hábitos alimentares poderá haver uma perda de peso menor ou recuperação ao longo dos anos. O procedimento pode ser realizado em pessoas cujo Índice de Massa Corporal (IMC) seja superior a 30, que não tenham tido sucesso em perder e manter o peso com outros métodos.


Os métodos endoscópicos menos invasivos surgiram como opções de tratamento eficazes, reversíveis e relativamente seguras, representando uma “janela terapêutica” para pacientes que não se qualificam para uma cirurgia da obesidade.

Qual a importância de uma abordagem multidisciplinar?

A obesidade não é apenas a falha da dieta e exercício, mas sim de uma doença crónica recidivante multifatorial, que é muito mais complexa do que antes apreciada.


A percepção da obesidade como apenas um distúrbio do comportamento alimentar é insidiosa e pode ser compartilhada pelos médicos e pelos pacientes. Durante anos, entendemos a obesidade como uma simples equação do balanço energético, no entanto não é assim tão simples. Existem muitas complexidades relacionadas com a genética, metabolismo e fisiologia, bem como na forma como metabolizamos, armazenamos e gastamos calorias. Este preconceito está tão enraizado no que acreditamos sobre a obesidade, que muitas vezes se questiona se isso acabou por impedir a descoberta da verdadeira complexidade da obesidade e do metabolismo energético. Temos que superar essa tendência de que há preguiça ou falta de força de vontade em causa, se queremos progredir.


Como uma doença crónica multifatorial, a obesidade requer tratamento multidisciplinar e os gastroenterologistas devem fazer parte dessas equipas tal como os endocrinologistas, nutricionistas, psicólogos e cirurgiões bariátricos para fornecer um atendimento abrangente a estes pacientes.


Um dos principais benefícios de uma equipa de tratamento multidisciplinar é que o gastroenterologista pode contar com outros especialistas para indicar estilos de vida e terapia nutricional ou médica.


A obesidade não é apenas uma falha da dieta e exercício, mas sim uma doença crónica recidivante multifatorial, que é muito mais complexa do que antes apreciada.

Em que medida, há necessidade de adaptar a formação médica do gastroenterologista?


Em alguns países, como nos Estados Unidos e em Espanha, já foi implementado a certificação em Endoscopia Bariátrica, implicando a frequência de cursos e seminários.

Em Portugal, penso que também será essa a tendência. O uso de medicamentos para perda de peso também pode ser uma opção complementar aos tratamentos endoscópicos de obesidade.


Nem todos os gastroenterologistas assumem todos os aspetos do tratamento de um paciente com obesidade. Há que entender a importância de que o futuro do tratamento da obesidade está a direcionar-se para a terapia combinada através de alterações no estilo de vida, nutrição, medicamentos, dispositivos endoscópicos e, possivelmente, até combinação de vários dispositivos.


Como em qualquer área médica, é muito importante a especialização e a experiência para obter os melhores resultados e minimizar o risco de complicações. Pessoalmente, comecei a dedicar-me a este tema em 2008. Em 2012, fundei a Gastroclinic que foi, em Portugal, a primeira clínica dedicada ao tratamento endoscópico de obesidade. Ao longo destes anos, incorporámos as mais recentes técnicas. Em 2012, colocámos os primeiros balões intragrásticos ajustáveis ​​em Portugal e, neste momento, somos um dos grupos com mais experiência no mundo, com centenas de pacientes tratados. Nesse ano, também realizámos as primeiras reduções de estômago por endoscopia (a técnica POSE e mais tarde a técnica Apollo). Além do conhecimento e da experiência na execução de técnicas, é fundamental que o gastroenterologista acompanhe o paciente durante um período mínimo de seis a doze meses, em articulação com um nutricionista. Esse acompanhamento é fundamental para melhorar os resultados.


DR. MIGUEL AFONSO


Nascido no Porto, o Dr. Miguel Afonso licenciou-se em Medicina pela Faculdade de Medicina no Porto em 2002. É especialista em Gastroenterologia e Endoscopia Digestiva desde 2011 e diretor clínico da Gastroclinic. Ao longo da sua formação, dedicou-se ao tratamento de obesidade por endoscopia tendo feito formação em centros de referência em São Paulo e Barcelona. Foi pioneiro em Portugal na realização de algumas técnicas como o balão intragástrico ajustável e sleeve endoscópico.







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